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Tratamento homeopático de felinos abandonados confinados em gatil acometidos por doenças respiratórias e dermatoses


Resumo: As doenças respiratórias dos felinos estão relacionadas, na maioria dos casos, a dois tipos de vírus: vírus da rinotraqueíte viral felina e calicivírus felino. Para esses casos, de origem viral, não há alternativa terapêutica alopática. Muitos animais da espécie felina abandonados são recolhidos a gatis mantidos por voluntários. Estes animais geralmente apresentam doenças, tais como afecções respiratórias e dermatoses, principalmente sarna. O objetivo do presente estudo foi verificar a evolução de quadros de doenças respiratórias e dermatoses em felinos abandonados confinados em um gatil, submetidos a tratamento homeopático. Foram medicados, com Sulphur 30 CH fornecido na água de bebida durante três dias, 44 felinos abandonados confinados em um gatil no qual dividiam o mesmo espaço físico, recebiam ração e eram tratados com altas doses de antibióticos, pois apresentavam doenças respiratórias e dermatoses. Ao início do tratamento homeopático, a antibióticoterapia foi suspensa. Quinzenalmente, durante um período de 45 dias, o estado geral dos animais era reavaliado: a potência do remédio homeopático foi alterada para 18 CH e, posteriormente, para 24 CH. Verificou-se que 36 (82%) dos animais apresentaram melhora significativa dos quadros respiratório e dermatológico. Este resultado é estatisticamente significante para P = 0,0001, o que demonstra que houve melhora clínica dos animais tratados homeopaticamente.

 

Introdução

As doenças respiratórias constituem-se em importante problema na medicina de felinos. Apesar do advento da vacinação em meados dos anos 70, doenças respiratórias de natureza viral em gatos ainda ocorrem frequentemente 10.

As infecções respiratórias em felinos recém-nascidos e jovens são um grande problema para os clínicos veterinários 9.

As doenças respiratórias dos felinos estão relacionadas, na maioria dos casos, a dois tipos de vírus: o vírus da rinotraqueíte viral felina e o calicivírus felino, responsáveis por 80% dos casos. Outros agentes etiológicos associados às doenças respiratórias dos felinos, mas menos frequentes que os dois vírus anteriormente mencionados, são: Chlamydia psittaci e Mycoplasma spp., além de outros vírus pouco frequentes. Tendo em vista que as doenças respiratórias dos felinos, na maioria dos casos, são de origem viral, as alternativas terapêuticas alopáticas consistem em tratamento de apoio, bons cuidados auxiliares e implementação de terapia antiviral específica 1,9.

Os medicamentos com ação antiviral são empregados em medicina humana, mas a sua utilização em medicina veterinária não está devidamente aprovada 2.

A terapia de suporte é administrada segundo a indicação, dependendo da severidade da doença respiratória. Descongestionantes, anti-histamínicos e vaporização podem ser adotados. Nos casos graves, pode haver a necessidade de hidratação. Antibióticos de amplo espectro são indicados para a redução da infecção bacteriana secundária 1.

Quando acomete uma população susceptível, o surto de infecção respiratória felina pode atingir índice de morbidade de aproximadamente 100% 1.

As dermatoses felinas estão comumente associadas a infestações por ectoparasitas, infecções bacteriana, infecções por dermatófitos, doenças endócrinas, reações de hipersensibilidade e doenças autoimunoes 10.

Muitos felinos mantidos em gatis de assistência voluntária apresentam afecções respiratórias prolongadas em razão da inexistência de tratamento específico. As dermatoses constituem outro tipo de doença comum em gatos abandonados recolhidos em gatis.

 

Objetivo

O objetivo do presente estudo foi verificar a evolução de quadros de doenças respiratórias e dermatoses, em felinos abandonados confinados em um gatil, submetidos a tratamento homeopático.

 

Material e método

Neste estudo foram avaliados quarenta e quatro gatos, de idades variadas, abandonados e confinados em um gatil. Os animais dividiam o mesmo espaço físico, onde recebiam ração e eram tratados com altas doses de antibióticos havia aproximadamente um ano, pois tinham doenças respiratórias caracterizadas por conjuntivite, secreção nasal mucos ou serosa, secreção ocular mucosa ou serosa, espirro e tosse. Tais animais também apresentavam dermatoses, caracterizadas por áreas de alopecia com prurido e presença de lesões secas. Na mesma área física em que se encontravam os animais, havia outros gatos que apresentavam doenças respiratórias e dermatoses caracterizadas por sinais clínicos outros que não aqueles anteriormente descritos e escolhidos para este estudo. Ao início do tratamento homeopático, foi suspensa a administração de antibióticos aos animais estudados.

Os 44 animais foram medicados com Sulphur 30 CH misturado à água de bebida durante 3 dias. Quinzenalmente, durante um período de 45 dias, o estado geral dos animais era reavaliado, para verificar a persistência ou alteração dos sinais clínicos. Na primeira avaliação (15 dias após o início do tratamento) os sinais clínicos persistiam, mas com menor intensidade, razão pela qual alterou-se a potência do remédio homeopático para 18 CH. O mesmo ocorreu na segunda avalição (30 dias depois do início do tratamento), e a potência do remédio foi alterada para 24 CH.

Para a análise estatística, utilizou-se o teste de Fischer, com o auxílio de “software” GRAPHPAD INSTAT 1992-984.

 

Resultados

Decorridos 45 dias, verificou-se que 36 (82%) dos animais tratados homeopaticamente não mais apresentavam os sinais clínica de doenças respiratórias e dermatológicas constatados no início do estudo. Esse resultado, estatisticamente significante para P = 0,0001, demonstra que a maioria dos animais tratados teve melhora clínica.

 

Discussão

Os sinais típicos dos quadros de moléstias respiratórias virais felinas são: espirros, seguidos por conjuntivite acompanhada por secreção ocular, e rinite com secreção nasal. Febre, anorexia e depressão estão presentes em graus variáveis. Frequentemente a secreção ocular é alterada de serosa para mucosa ou mucopurulenta e, em muitos casos, torna-se purulenta, resultando na formação de crostas secas ao redor dos olhos. As pálpebras podem ficar aderidas 1.

O envolvimento da traquéia e dos brônquios resulta em exsudato inflamatório, estertores e tosse. A gravidade da moléstia pode variar de afecção subclínica ou moléstia clínica de baixa intensidade e breve duração a pneumonia grave e fatal 1.

No presente estudo, os animais apresentavam sinais de afecções respiratórias e cutâneas mesmo submetidos a tratamento alopático com administração de antibióticos durante vários meses. Decorridos 45 dias do início da terapia homeopática, 36 (82%) desses animais demonstraram melhora no quadro clínico, o que indica a boa responsividade dos gatos estudados ao tratamento homeopático.

Alguns dos sinais observados na matéria médica pura de Hahnemann 6 sobre o medicamento Sulphur são:
• lacrimejamento e queimação nos olhos, pela manhã
• mucu purulento nos olhos
• os olhos estão fechados por inchaço e grudados pela manhã
• os olhos grudaram de manhã, as pálpebras estão grossas e vermelhas; mais tarde muco seco nos cílios
• espirros frequentes
• espirros severos por vários dias
• coriza severa
• coriza fluente como água
• obstrução severa do nariz por inúmeros dias
• prurido quando caminha ao ar livre
• queimação na pele sobre o corpo todo
• a área pruriginosa dói depois de coçar
• depois de uma leve esfregadura a pele dói muito e por um longo tempo, como se desnuda de pele e corroída
• picadas como de pulgas ao anoitecer, depois de deitar e à noite, impedindo o sono; depois de coçar, sempre aparece em outro lugar
• coceira que pinica de forma ofensiva, com dor na região depois da coçadura
• queimação pruriginosa em várias partes; depois da coçadura havia uma dor de esfolado
• a área pruriginosa sangra e dá ferroada depois da coçadura
• coceira, pior de noite e de manhã na cama depois de acordar
• coceira em várias partes do corpo, a maioria desaparecendo depois de coçar, às vezes com espetadas ou também com queimação depois
• depois de coçar a região fica, por assim dizer, quente
• erupção na pele
• erupção, com coceira queimante

Observa-se que a matéria médica de Sulphur é muito semelhante aos sinais clínica apresentados pelos animais do presente estudo.

Quando um mesmo indivíduo apresenta dois males naturais diferentes, três condições distintas podem ser verificadas 5:

1) As duas doenças dessemelhantes passam a coexistir no indivíduo, pois apresentam forças iguais. Nessas condições formar-se-á uma moléstia complexa, de modo que cada uma delas ocupa determinado lugar do organismo, isto é, ocupa os órgão que mais se adaptam a ela.

2) Quando a moléstia mais antiga é mais forte, a nova moléstia será repelida do corpo pela anterior.

3) Quando a nova moléstia for mais forte, a moléstia que afligia anteriormente o paciente será contida e suspensa até que o mal mais forte (último) tenha sido extinto ou curado. Então a moléstia primitiva não curada reaparece.

No presente estudo, verificou-se a ocorrência da condição número 1, ou seja, duas moléstias dessemelhantes – no caso, aquela que afetava o processo respiratório, e aquela que acometia o processo dermatológio – apresentaram intensidades iguais e passaram a coexistir, cada uma ocupando os órgão que mais se adaptavam a ela no organismo.

No parágrafo 242 do Organon, Hahnemann 5 afirma: “Se, contudo, em epidemia de febre intermitente, permanecerem incuradas as primeiras crises, ou se os pacientes tiverem sido enfraquecidos mediante tratamento alopático inadequado, então a psora inerente que infelizmente existe em tantas pessoas, embora em estado latente, desenvolve-se, assume a forma de febre intermitente e, com todas as aparências de febre intermitente epidêmica, continua o seu curso como se fosse a epidêmica, de modo que o medicamento, que teria sido útil nas primeiras crises, não é mais conveniente e não tem mais utilidade. Temos, nesse caso, de tratar apenas uma febre intermitente psórica, e esta geralmente é vencida com doses mínimas e pouco repetidas de Sulphur, ou de Hepar sulphuris, em alta potência.

Psora é a alteração da energia vital de caráter crônico e evolutivo, não venéreo, que só poderá ser completamente curada com tratamento homeopático específico, e cuja evolução será manifestada por diferentes formas de moléstias, de acordo com as potencialidades próprias do terreno por ela sensibilizado 8.

A presença de sinais clínicos de afecções respiratórias e dermatológicas indica que a primeira uniu-se à segunda, que é a psora, o que se encaixa na assertiva de Hahnemann 5 em seu parágrafo de número 242, acima mencionado.

A doença, de acordo com o seu tempo de duração, pode ser classificada como aguda ou crônica 5. De acordo com Hahnemann, “As moléstias a que está sujeito o ser humano são ou processos mórbidos rápidos da força vital anormalmente perturbada, que têm a tendência de completar seu curso de modo mais ou menos rápido, mas sempre em um tempo moderado, as chamadas doenças agudas, ou são doenças de caráter tal que, com um início pequeno, muitas vezes imperceptível, afetam dinamicamente o organismo vivo, cada uma de seu modo peculiar, fazendo-o desviar, pouco a pouco, do estado normal de saúde até que, por fim, o organismo seja destruído. São causadas pelo contágio dinâmico por um miasma crônico”. Com base nesse definição, as doenças do trato respiratório superior de felinos podem ser classificadas como doenças aguda, pois apresentam curto período de duração (geralmente não mais que cinco dias), e as dermatoses podem ser classificadas como doenças crônicas, uma vez que em geral sua duração é superior a 14 dias 7.

Tendo em vista que os animais deste estudo foram submetidos a inúmeros e distintos tratamentos alopáticos, e considerando que os sintomas descrito para Sulphur na matéria médica pura eram similares aos sinais clínicos observados nos animais, esse foi o medicamento escolhido para o tratamento, conforme recomendado por Hahnemann.

Os animais tratados não se apresentavam no quadro agudo da doença respiratório e foram tratados alopaticamente com medicamentos que cronificaram a doença, fazendo aparecer a psora. Isso pode ser confirmado quando se observa que todos os animais estudados apresentavam doença respiratória e dermatoses, o que indica a presença de doença crônica.

 

Conclusões

O presente estudo permite concluir que as observações de Hahnemann no parágrafo 242 do Organon, relacionadas a seres humanos, também podem ser aplicadas aos animais. Quando os sintomas do paciente coincidirem com os sintomas descritos na Matéria Médica de Sulphur e Hepar sulphuris, tais medicamentos devem ser utilizados para tratar a psora que assumiu a forma da doença aguda.

 

Referências

01-BARR, M. C. ; OLSEN, C. W. SCOTT, F. W. Moléstias virais felinas. In: ETTINGER, S. J. ; FELDIMANN, E. C. Tratado de medicina interna veterinária – moléstias do cão e do gato. São Paulo, Editora Manole Ltda, 1977. p. 589-631.

02-COSTA, E. O. ; GÓRNIAK, S. L. Agentes antifúngicos e antivirais. In: SPINOSA, H. S. ; GÓRNIAK, S. L. ; BERNARDI, M. M. Farmacologia aplicada à medicina veterinária, Rio de Janeiro, Editora Guarabara Koogan, 3. ed, 2002, p. 430-442.

03-GASKELL, R. M. ; DAWSON, S. Viral-induced upper respiratory tract disease. In: CHANDLER, E. A. ; GASKELL, C. J. ; GASKELL, R. M. Feline medicine and therapeutics. Oxford, Blackwell Science Ltd, 1995, p. 3-83.

04-GRAPHPAD INSTANT software. Statistical analysis for personal computers. 1992-1998.

05-HAHNEMANN, S. Exposição da doutrina homeopática ou Organon da arte de curar. São Paulo, 2. ed. brasileira, tradução da 6. ed alemã, 1835, Grupo de Estudos Homeopáticos Benoit Mure, 1995.

06-HAHNEMANN, S. Matéria Médica Pura. Curitiba, Editora Gráfica Arins Ltda, 1998.

07-NESBITT, G. H. ; ACHERMAN, L. J. Canine and feline dermatology. Veterinary Learning Systemns. Trenton, New Jersey, 1998.

08-NOGUEIRA, G. W. G. ; RIMOLI, M. F. A. ; TURCI, M. A. B. ; GUILHERME, S. D. ; MOLLO, S. A. ; BARNABÉ, V. D. Doutrina médica homeopática. São Paulo, Grupo de Estudos Homeopáticos de São Paulo “Benoit Mure”, 1986.

09-POVEY, R. C. Feline respiratory disease. In: GREENE, C. E. Infectious diseases of the dog and cat. Philadelphia, W. B. Saunders Company, 1990, p. 346-357.

10-VAN DEN BROEK, A. H. M. ; THODAY, K. L. The skin. In: CHANDLER, E. A. ; GASKELL, C. J. ; GASKELL, R. M. Feline medicine and therapeutics. Oxford, Blackwell Science Ltd, 1995, p. 3-83.