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Controle da leishmaniose visceral no Brasil: recomendações do Brasileish


No dia 26 de outubro de 2012, médicos-veterinários clínicos e pesquisadores, membros do Brasileish – Grupo de Estudos em Leishmaniose Animal, se reuniram no Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais, em Belo Horizonte, para discutir inúmeros aspectos sobre a situação da leishmaniose visceral canina (LVC) no Brasil.

Dentre eles, foram abordadas questões sobre as limitações dos testes sorológicos atualmente preconizados no país, a recomendação da eliminação canina como medida de controle, a limitação do tratamento a drogas não utilizadas no tratamento humano e não registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a não utilização da vacinação como medida de controle. Esse encontro precedeu o IX Simpósio Internacional em Leishmaniose Visceral Canina, realizado nos dias 27 e 28 de outubro de 2012, na Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais. Nesse evento, foram debatidos diversos aspectos relacionados à LVC, desde a patogenia até as questões jurídicas relacionadas ao seu controle.

Em face das recentes evidências científicas nacionais e internacionais, e baseados nas discussões realizadas por ocasião desses dois encontros, nós, membros do Brasileish, elaboramos as seguintes recomendações para o manejo e controle da LVC no Brasil.

 

Recomendações

1. Educação em saúde: Realização de ações de educação em saúde em áreas endêmicas. Essas ações devem ser realizadas em conjunto pelos agentes de saúde, os quais devem ser adequadamente preparados para informar a população sobre as principais medidas de controle da leishmaniose, incluindo medidas de proteção individual (uso de mosquiteiros, telagem de janelas e portas, evitar atividades externas no período crepuscular e noturno, dentre outras). Essas ações devem ser permanentes e realizadas junto às associações de bairros e lideranças comunitárias.

Visitas domiciliares e palestras em escolas públicas ou privadas devem ser realizadas com objetivo de educar a população sobre posse responsável, bem-estar animal e todos aspectos relacionados à prevenção da leishmaniose visceral em cães e no homem.

2. Controle da população canina:

Cadastramento individual dos cães domiciliados e semidomicialidos por meio de microchips para que se obtenha melhor controle da população canina de cada comunidade e para que cada proprietário seja responsabilizado pelos seus animais de estimação. A vacinação cani na contra zoonoses como a raiva, leptospirose e leishmaniose visceral e doenças letais aos cães, como cinomose e parvovirose, deve ser promovida por meio de campanhas, associadas a ações de desverminação e controle de pulgas, piolhos e carrapatos. A criação de hospitais veterinários públicos para o atendimento de animais oriundos de comunidades carentes deve ser incluído na agenda de prioridades para o cuidado da saúde animal e consequente controle de zoonoses. Esses hospitais de verão fornecer atendimento veterinário e procedimentos de esterilização para cães e gatos.

3. Diagnóstico e tratamento canino da LVC: O diagnóstico deve ser feito por profissional médico veterinário, com base na presença de sinais clínicos compatíveis e confirmação parasitológica, sorológica e/ou molecular. A padronização dos testes sorológicos para reduzir ao mínimo a possibilidade de reações cruzadas (falso positivos) é fundamental. Animais positivos no teste de imunofluorescência indireta na diluição de 1:40 devem ser considerados suspeitos e submetidos a outros testes. Título quatro vezes maior que o ponto de corte (1:40) deve ser considerado diagnóstico. Dessa forma, somente pode ser considerado positivo títulos de 1:160, quatro vezes maior que o ponto de corte que é 1:40. Em áreas endêmicas para Leishmania braziliensis ou outras leishmanias, a confirmação do diagnóstico etiológico é fundamental para evitar a eliminação de cães não infectados por Leishmania infantum (= Leishmania chagasi). Aos proprietários de cães infectados deve ser garantido o direito de escolha entre a eutanásia ou o tratamento responsável do seu animal. Quando a opção for a eutanásia, deve ser realizada dentro dos princípios éticos e por profissional médico-veterinário. Quando a opção for o tratamento, deve ser realizado com protocolos que confiram melhora ou cura clínica do animal e redução da carga parasitária, as quais devem ser avaliadas por meio de exames clínicos e laboratoriais.

4. Combate ao vetor: O combate ao vetor deve ser realizado por meio do manejo ambiental (construção de casas longe de áreas de mata, limpeza e reorganização do peridomicílio), da adoção de medidas de proteção individual (telagem das portas e janelas, uso de mosquiteiros impregnados com inseticidas em áreas de alto risco) e do uso de inseticidas no ambiente em situações específicas (risco de epidemias, transmissão intradomiciliar). O uso de inseticidas (colares, pipetas, sprays) nos cães é imperativo e deve ser fomentado pelo governo em áreas carentes. 

Certamente, a situação da leishmaniose visceral no Brasil reflete a ineficácia do Programa Nacional de Controle da Leishmaniose Visceral. Instituído há mais de 50 anos, esse programa precisa ser completamente reformulado em face dos novos conhecimentos científicos e das novas ferramentas disponíveis para o controle dessa doença. Reuniões anuais sobre a situação das leishmanioses no Brasil devem ser realizadas, envolvendo a participação de médicos e veterinários, sejam esses clínicos ou sanitaristas, e outros agentes promotores de saúde coletiva. É de suma importância que o Brasil adote o conceito de “Uma Saúde” (One Health) na elaboração de medidas de controle de zoonoses como as leishmanioses. Toda e qualquer ação de manejo e controle deve se respaldar em dados científicos e/ou em medicina baseada em evidências. Nesse sentido, pesquisas sobre novos métodos diagnósticos, protocolos terapêuticos e ferramentas de controle e prevenção (vacinação e controle do vetor) devem ser encorajadas, financiadas pelos órgãos públicos de fomento e priorizadas pelas autoridades competentes e comitês de ética. Através da educação e de ações eficazes será possível reduzir o impacto das leishmanioses no Brasil.

Por último, ressaltamos que conforme enfatizado há mais de dez anos pelos doutores Carlos Henrique Nery Costa, presidente eleito da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, e João Batista Furtado Vieira, atual gerente da Coordenação Geral da Hanseníase e Doenças em Eliminação do Ministério da Saúde, é preciso mudar. É preciso investir em vigilância, educação em saúde e qualidade de vida das populações em risco.

 

Bibliografia sugerida

1. Costa CH. How effective is dog culling in controlling zoonotic visceral leishmaniasis? A critical evaluation of the science, politics and ethics behind this public health policy. Rev Soc Bras Med Trop. 2011;44(2):232-42.

2. Dantas-Torres F, Solano-Gallego L, Baneth G, Ribeiro VM, de Paiva-Cavalcanti M, Otranto D. Canine leishmaniosis in the Old and New Worlds: unveiled similarities and differences. Trends Parasitol. 2012.

3. Passantino A, Russo M, Coluccio P.Canine leishmaniosis and euthanasia in Italy: a critical legal-ethical analysis. Rev Sci Tech. 2010;29(3):537-48.

4. Quinnell RJ, Courtenay O.Transmission, reservoir hosts and control of zoonotic visceral leishmaniasis. Parasitology. 2009; 136(14):1915-34.

5. Romero GA, Boelaert M. Control of visceral leishmaniasis in latinamerica – a systematic review. PLoSNegl Trop Dis. 2010;4(1):e584

6. World Health Organization: Control of the Leishmaniasis. Geneva: WHO (Technical Report Series 949); 2010:104.