Entrevista com o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo
O médico-veterinário Fábio Manhoso, presidente da Comissão de Educação do CRMV-SP, compartilha as conquistas da atual gestão
O professor Fábio Manhoso é vice-presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), presidente da Comissão de Educação do CRMV-SP e coordenador do curso de Medicina Veterinária na Universidade de Marília. Fábio Manhoso gentilmente nos concedeu esta entrevista para esclarecer as ações da gestão atual, principalmente aquelas relacionadas com o ensino da medicina veterinária.
Clínica Veterinária (CV) – Enquanto vice-presidente do CRMV-SP, poderia nos dar sua visão das ações da gestão atual?
Fábio Manhoso (FM) – O Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP) tem irradiado ações a todos os municípios, sem se concentrar apenas na capital paulista, com olhar descentralizador e levando a fala do Conselho a profissionais e associações de todo o estado com o projeto CRMV-SP Escuta, sendo que 22 municípios já receberam esse evento, que tem o objetivo de ouvir as demandas dos colegas, suas dificuldades e ansiedades, além de solucionar suas dúvidas.
Outra ação é a aproximação política, seja junto à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e ao Congresso Nacional, bem como às Câmaras de Vereadores e aos prefeitos, para que todos fiquem cientes de que uma de nossas funções é orientá-los quando demandado, bem como acompanhar projetos de lei relacionados às profissões de médico-veterinário e zootecnista.
Um aspecto que se destaca na gestão atual é o olhar mais humanístico ao profissional, com a criação de um grupo para trabalhar questões emocionais de forma presencial, com inicio na capital.
Temos trabalhado muito contra o exercício ilegal da profissão, buscando a dignidade salarial do profissional, seja ele vinculado ao serviço público ou privado.
Ressalto que a função do Conselho passa por orientar, disciplinar e fiscalizar. Desse modo, entendemos que, para poder orientar o profissional, é preciso estar perto dele, conhecê-lo, ouvi-lo e saber das suas dificuldades.
Fizemos um pacto no início dessa gestão – que vem sendo cumprido – de que, ao sermos questionados sobre algum assunto, jamais responderíamos que aquilo não seria função do Conselho. Isso porque, em relação a todos os temas que envolvem a medicina veterinária e a zootecnia, é, sim, função do CRMV participar e se posicionar.
CV – Que avanços o Sistema CFMV/CRMVs tem obtido em termos da regulamentação da atuação do médico-veterinário em relação às novidades tecnológicas?
FM – É importante disciplinar matérias e ações relativas às profissões – por exemplo, a respeito da telemedicina, que já vinha há tempos sendo praticada sem critérios estabelecidos. O Conselho Federal, com a participação de todos os Conselhos Regionais, baixou uma resolução regulamentando essa ação. Hoje o médico-veterinário pode realizar a telemedicina, pois tem critérios estabelecidos para garantir quando e por que utilizá-la, bem como segurança jurídica para seu uso.
CV – Como está a fiscalização dos estabelecimentos veterinários atualmente?
FM – Busca-se hoje fiscalizar todos os estabelecimentos veterinários, independentemente de terem registro no CRMV-SP. A fiscalização deve ocorrer com um olhar na sociedade, propiciando uma medicina veterinária de qualidade, bem como preservando o profissional que tem um estabelecimento muito bem organizado, que paga seus impostos, que se atualiza e investe em seu estabelecimento, daquele que, de forma irregular, usa de meios não convencionais para o exercício, o que não é justo, ou seja, temos que proteger o bom profissional e valorizá-lo. A fiscalização hoje é global, inicialmente orientadora, mas também punitiva para aqueles casos que realmente infringem nosso código de ética.
CV – Como se pode classificar a gestão atual do CRMV-SP?
FM – Temos hoje no CRMV-SP uma gestão muito democrática, que conversa com os profissionais e com a sociedade, pois a sociedade precisa conhecer o potencial da medicina veterinária e da zootecnia. Estamos nos esforçando muito para que a dignidade da profissão seja cada vez mais elevada. É importante ressaltar que isso é função de cada um dos profissionais, e não somente das entidades de classe.
CV – Pode nos dar uma visão das ações da Comissão de Educação?
FM – Além de vice-presidente, tenho a responsabilidade de presidir a Comissão de Educação do CRMV-SP, na gestão da qual adotamos um olhar bastante diferenciado, com o objetivo de nos aproximarmos mais dos cursos de medicina veterinária de São Paulo, para conhecê-los melhor e oferecer o CRMV como órgão assessor. Essa ajuda ocorre não somente por meio de sua Comissão de Educação, mas de todas as comissões, para que os cursos possam aprimorar ainda mais o ensino aplicado. Nesses pouco mais de dois anos, visitamos 52 cursos de medicina veterinária, entre públicos e privados.
CV – Como os coordenadores, professores e estudantes desses cursos têm se relacionado com essa assessoria?
FM – Temos sido muito bem recebidos para conhecer a estrutura e conversar com professores e alunos, e presenciamos exemplos muito bons de ensino, mas também situações limitantes e que nos preocuparam. Procuramos nesse processo ter um olhar positivo e valorizar aqueles que vêm fazendo um trabalho de referência e têm investido no ensino, principalmente os protagonistas desse ensino, que são os professores.
CV – Em que se baseiam as ações da Comissão de Educação?
FM – Nossas ações têm como principal objetivo uma aproximação com as faculdades, oferecendo a ajuda da Comissão de Educação e de todo o CRMV no sentido de colaborar e aprimorar todas as técnicas de ensino propostas dentro do curso, além de orientar o coordenador para valorizar e dar ênfase aos cursos de qualidade. Muitos dos cursos do estado de São Paulo têm seu diferencial e sua qualidade já atestados, e há cursos novos que também vêm trilhando esse caminho, porém alguns fogem dessa configuração, e em casos assim, estamos de braços abertos para colaborar.
CV – Qual é a ação dos Conselhos perante a abertura de tantos cursos de medicina veterinária em nosso país?
FM – É importante frisar que os Conselhos não têm autonomia para abrir ou fechar cursos, mas têm o dever de levar ao Ministério da Educação (MEC) a preocupação quantitativa e qualitativa em relação a esses cursos, principalmente no que diz respeito ao ensino à distância na medicina veterinária e isso vem sendo feito de forma insistente pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária ladeado pelos Regionais, além de buscar força política para essa preocupação.
CV – Qual é a sua opinião em relação aos cursos de ensino à distância (EAD) na medicina veterinária?
FM – É inaceitável que um curso que envolve saúde animal, saúde pública e saúde ambiental seja oferecido 100% na modalidade EAD. Seguindo o Sistema CFMV/CRMVs, somos contra esse modelo e nos empenhamos para que, de alguma forma, essa condição seja revista e para que seja reestruturada a porcentagem máxima de disciplinas remotas nos cursos presenciais. Veja que um curso que apresenta até 40% da matriz curricular na modalidade remota ainda é considerado presencial pelo MEC, o que é preocupante, pois essa porcentagem representa dois anos do curso.
CV – Como foram os Encontros de Coordenadores de Cursos de Medicina Veterinária da CRMV-SP? O próximo já está programado?
FM – Realizamos em 2022 e 2023 o Primeiro e o Segundo Encontro de Coordenadores de Cursos de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo, dois eventos do mais alto nível, com presença maciça dos coordenadores. Estes entenderam o objetivo dessa aproximação: nutri-los com conhecimentos, motivá-los enquanto gestores, mas principalmente, ouvi-los, uma vez que estão à frente dos cursos. Então, essas ações de aproximar os coordenadores da comissão e consequentemente do Conselho, seguidas de visitas aos estabelecimentos, sem dúvida constituem um grande progresso. As instituições de ensino não viam o CRMV-SP como um órgão assessor, e conseguimos desconstruir a imagem de órgão exclusivamente fiscalizador, mostrando que estamos aqui para somar, ajudar e motivar, empenhados na qualidade do ensino. O Terceiro Encontro de Coordenadores será realizado em abril de 2024.
CV – Como é e qual o objetivo do Projeto Melhor Escolha?
FM – O Projeto Melhor Escolha é outro grande avanço, pois visa falar com o jovem que pretende prestar vestibular para medicina veterinária. O objetivo é levar informações a esse jovem para que ele possa escolher um curso de qualidade. Vários aspectos são destacados, sugerindo, por exemplo, que ele visite a instituição, converse com o coordenador e com os alunos – isso é muito importante, pois os alunos trazem a verdade da experiência diária –, conheça a matriz curricular, saiba quem serão seus professores e conheça os conceitos que esse curso venha obtendo nos índices de avaliação, principalmente o do MEC, que é o oficial. Busca-se dar condições para que os jovens, apesar da existência de fatores que limitam a escolha – principalmente o financeiro –, tenham um olhar qualitativo em relação a ela. Trata-se de um projeto maravilhoso, pois por meio dele o CRMV-SP fala com a sociedade, com o jovem, mostrando o que é a boa medicina veterinária. É um trabalho fantástico, que começou em 2022 e continua este ano, já às vésperas de grandes vestibulares.
CV – O que é o Sistema de Certificação de Cursos de Medicina Veterinária?
FM – Esse é outro fruto muito importante da Comissão de Educação, que visa elevar o nível das faculdades ao chancelar cursos que atendam à Resolução CNE/CES no. 03 de 15 de agosto de 2019, sendo a participação das instituições voluntária.
CV – Como funciona essa avaliação e como são divulgados os resultados?
FM – O processo é sigiloso. Não são divulgados os nomes das faculdades que se inscrevem, apenas os daquelas que conseguirem receber os selos bronze, prata ou ouro. Há uma avaliação documental e visitas in loco, que duram de dois a três dias, para a comissão conhecer a infraestrutura e conversar com professores, alunos, funcionários e gestores a fim de confirmar o conteúdo do projeto e dos documentos. Os resultados são submetidos à Comissão de Educação, que emite um relatório com as informações e resultados, que é então encaminhado à plenária do CRMV-SP, que é soberana para avaliá-lo. A instituição que fizer jus a um selo bronze, prata ou ouro é chancelada com a publicação desse resultado no Diário Oficial da União, e o selo pode ser utilizado para mostrar à sociedade que a instituição atende aos requisitos exigidos pelo CRMV-SP, que são consideravelmente altos.
CV – Em que fase está o processo de certificação de cursos atualmente?
FM – No primeiro edital, de 2023, as faculdades que se apresentaram não conseguiram a classificação necessária para a chancela, mas ficaram muito próximas das exigências. Atualmente já estamos trabalhando no segundo edital para o Sistema de Certificação ainda nessa gestão.
CV – Como os cursos podem ser beneficiados com o processo?
FM – O processo é transparente, mostrando à instituição seus pontos fortes e aqueles para os quais ela precisa ter um olhar mais cuidadoso. É importante ressaltar que o relatório da Comissão de Educação passa a ter um cunho de apoio de gestão, e o coordenador pode levá-lo à mantenedora e esclarecer a razão de não terem atingido os requisitos para obter o selo e relacionar os itens que precisam ser melhorados.
CV – De modo geral, os cursos de medicina veterinária do estado de São Paulo estão adequados aos padrões e exigências do CFMV?
FM – Hoje, o estado de São Paulo conta com 112 Cursos de Medicina Veterinária, públicos e privados e, alguns ainda não atendem os requisitos mínimos para uma estrutura de qualidade. Não se pode basear um curso apenas com a presença física de uma clínica ou hospital veterinário, sendo importante destacar as 88 frentes de atuação do profissional. É preciso oferecer condições para a aprendizagem relacionada à produção animal, à nutrição animal, à reprodução animal – que requerem a existência de uma fazenda experimental –, bem como para a inspeção e a tecnologia de produtos de origem animal, para a saúde ambiental, para a saúde pública, entre tantas outras, que requerem a existência de laboratórios e instalações adequadas ao ensino das práticas veterinárias tão importantes à sociedade. As faculdades precisam oferecer ensino generalizado e não formar especialistas, conforme mandam as diretrizes curriculares nacionais. Assim, é necessário contemplar todas as áreas, sem privar o aluno de conhecê-las.
CV – Como vê a situação atual do ensino da medicina veterinária?
FM – Esta gestão investiu de forma muito consistente na questão do ensino, porque temos a convicção de que esse é o alicerce. Quanto melhores a formação e o ensino, melhor será a medicina veterinária e menos denúncias chegarão a se tornar processos éticos – e com isso ganharão a sociedade, a profissão e os nossos pacientes.
CV – Como vê a ação dos Conselhos de Medicina Veterinária em relação ao ensino da graduação?
FM – Tenho certeza de que esse trabalho que temos realizado vem gerando e ainda gerará grande legado, ao conseguirmos modificar essa imagem de distanciamento entre as faculdades e os CRMVs, que era visto apenas como órgão fiscalizador, mas que é também um órgão orientador e regulamentador. Acima de tudo, é uma entidade que precisa estar próxima dos colegas, enxergar as dificuldades da profissão e buscar formas de diminuir as limitações e dificuldades no ensino e em todas as demais áreas.
CV – Como está o ensino da zootecnia no estado de São Paulo?
FM – A Comissão de Ensino de Zootecnia trilhou o mesmo caminho. Fez visitas às escolas de zootecnia, que hoje são nove no estado de São Paulo, e realizou o Primeiro Encontro de Coordenadores, tendo como presidente o professor doutor Celso Carrer, docente do campus Pirassununga da Universidade de São Paulo. Essa comissão levou esse olhar para a educação na área de zootecnia, e isso é inédito. O Conselho Regional, que é de medicina veterinária e de zootecnia, trabalha em conjunto com a comissão e busca elevar o ensino das duas profissões.
CV – Como foi seu caminho até a Comissão de Ensino?
FM – Primeiramente, é uma honra poder estar vice-presidente do CRMV-SP, pois eu nunca havia imaginado ocupar essa função. É uma honra estar ao lado desse grupo, e em especial do dr. Odemilson Mossero, podendo doar nosso tempo para o crescimento das profissões.
Comecei como conselheiro suplente da gestão do dr. Francisco Cavalcanti de Almeida, ouvindo e observando; depois fui conselheiro efetivo nas gestões do dr. Mario Pulga, atuando majoritariamente nas questões éticas, fazendo instrução e relatoria de processos éticos e aprendendo mais; e agora, como vice-presidente junto ao dr. Odemilson Mossero, sou grato aos três mestres que em mim depositaram sua confiança.
Fazer parte do CRMV-SP é como estar em uma universidade, pois as atividades nos obrigam a estudar muito. Participar da diretoria é oferecer nossa honra pessoal, nossa responsabilidade, até mesmo nosso CPF. Uma pessoa pública não pode deixar de atender àqueles que a procuram e tem que fazer a gestão de um patrimônio público, que, no nosso caso, pertence aos mais de 50 mil médicos-veterinários e aos mais de 1.500 zootecnistas atuantes no estado de São Paulo.
CV – Que informações gostaria de compartilhar para finalizar esta entrevista?
FM – O Conselho de Medicina Veterinária e Zootecnia é de todos nós, e não podemos deixar que a busca pela dignidade da profissão fique na mão de apenas uma entidade. Precisamos estar todos juntos e ter esse objetivo. Convido todos os profissionais, zootecnistas e médicos-veterinários do estado a se aproximar do CRMV-SP e estar conosco; usem do Conselho na busca por orientações técnicas e jurídicas; utilizem os canais de comunicação do Conselho, como o Fale Conosco, bem como os telefones e e-mail, e até mesmo a ouvidoria.
Convido a conhecer o CRMV-SP, a entrar no site, nas redes sociais e conversar com pessoas próximas a ele. Apesar de todo o nosso empenho e dedicação ao trabalho, a construção nunca termina, é contínua. Porém, quando estamos fortalecidos pela união, tudo fica mais fácil. Deixo o convite aos colegas para que participem conosco e nos ajudem a tornar a medicina veterinária e a zootecnia mais fortes e mais reconhecidas, cada vez mais pujantes, afinal é necessário inovar para transformar.