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A eutanásia dos animais por arma de fogo em Brumadinho

A eutanásia dos animais por arma de fogo em Brumadinho

Matéria escrita por:

Aldair Junio Woyames Pinto, Luiza Fernandes Fonseca

3 de jul de 2019

Lama com dejetos minerais após rompimento de barragem em Brumadinho, MG. Créditos: Christyam de Lima Lama com dejetos minerais após rompimento de barragem em Brumadinho, MG. Créditos: Christyam de Lima

A cidade de Brumadinho, MG, foi atingida pelo rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão no dia 25 de janeiro de 2019. O desastre provocou extensa destruição local, além de isolamento e morte de centenas de animais. Dentre esses, alguns se destacaram por sobreviver, atolados, durante alguns dias em locais aos quais a equipe de resgate não tinha acesso. Assim, os animais submetidos a essa situação de sofrimento receberam eutanásia, aplicada por profissionais capacitados sob a supervisão de um médico-veterinário, por meio do uso de arma de fogo. O objetivo do trabalho é apresentar as condutas adotadas pelas equipes compostas por voluntários, médicos-veterinários e órgãos policiais, que foram designadas para o resgate de animais localizados em meio aos rejeitos, bem como as legislações que respaldam essas condutas.

Muitos desses animais ficaram parcialmente imersos nos dejetos, submetidos a intenso sofrimento por vários dias. Quando havia possibilidade de acesso, a equipe encarregada estabelecia estratégias para minimizar o sofrimento dessas vítimas, baseadas em dessedentação, alimentação e posterior resgate, com o auxílio de helicópteros 1 (Figuras 1 e 2).

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Figura 1 – Etapas do resgate de animais após o rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão. A) Resgate aéreo de bovino. B) Equipe de resgate de voluntários da Brigada Animal, apoiada pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais, realizando terapia emergencial após resgate aéreo de bovino. C) Tratamento de suporte após o resgate aéreo de bovino realizado pelo Corpo de Bombeiros em parceria com a equipe da Brigada Animal. Créditos: Aldair Junio Woyames Pinto

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Figura 2 – Animal preso à lama em condições de resgate, sem necessidade de eutanásia, após o rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão (A); e mesmo animal após o resgate feito por via aérea por voluntários da Brigada Animal, em segurança, após receber tratamento, alimentação e demais cuidados, já em processo de restabelecimento. Créditos: Aldair Junio Woyames Pinto

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Alguns desses animais, nesse caso bovinos e equinos, localizavam-se em regiões sem acesso a água, alimentação, sombra nem possibilidade de movimentação; além disso, sofriam enorme pressão nas regiões corporais que estavam submersas, devido ao processo de evaporação da água presente na lama e ao aumento da sua densidade com o passar dos dias. Dessa forma, o bem-estar desses animais estava comprometido de forma irreversível.

Ademais, não havia pontos de sustentação nos quais a equipe de resgate pudesse se apoiar em segurança para chegar aos animais, reduzir a pressão da lama sobre eles e, posteriormente, içá-los. Desse modo, ficou acordado que os resgates nessas circunstâncias seriam inexecutáveis e de alto risco para os socorristas. Portanto, a eutanásia foi adotada como a maneira mais adequada de fazer cessar o sofrimento desses animais, utilizando métodos previstos (disparos de arma de fogo 2) de acordo com as espécies envolvidas. Ela foi realizada por um profissional qualificado – nesse caso, um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), supervisionado por um médico-veterinário.

De acordo com a Resolução nº 1.236/2018 do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), define-se maus-tratos como quaisquer atos diretos ou indiretos, comissivos ou omissivos, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoquem dor ou sofrimento desnecessário aos animais. Ademais, essa resolução considera que a definição de maus-tratos inclui não adotar medidas minimizadoras de desconforto e sofrimento aos animais, além de mantê-los impedidos de movimentação e descanso, sem acesso a água, alimentação e temperatura adequadas. Por fim, estabelece que os médicos-veterinários são os profissionais capacitados para identificar, diagnosticar, prevenir e adotar medidas que façam cessar as situações de maus-tratos e sofrimento dos animais 3. Uma das medidas permitidas pela Resolução nº 1.138/2016 do CFMV, que aprova o código de ética do médico-veterinário, consiste em realizar a eutanásia nos casos devidamente justificados, observando os princípios de saúde pública, a legislação de proteção aos animais e as normas do CFMV 4.

A eutanásia consiste em fazer cessar a vida animal por meio de método tecnicamente aceitável e cientificamente comprovado, observando os princípios éticos definidos nessa resolução e em outros atos do CFMV. É um procedimento indicado em situações nas quais o bem-estar do animal esteja comprometido de forma irreversível, a fim de eliminar a dor ou o sofrimento que não possam ser controlados por meio de analgésicos, sedativos ou outros tratamentos. A participação do médico-veterinário é obrigatória na supervisão ou na execução da eutanásia e em todas as circunstâncias em que ela se faça necessária. Em casos de supervisão, a técnica deve ser executada por indivíduo treinado e habilitado, e ambos devem conhecer e evitar os riscos inerentes ao método escolhido. A escolha do método depende das espécies animais envolvidas, da idade e do estado fisiológico dos animais, bem como dos meios disponíveis para a sua contenção, da capacidade técnica do executador e do número de animais 5. Com relação ao cumprimento da eutanásia, os métodos aceitáveis e aceitos sob restrição são descritos no Anexo I da Resolução nº 1.000/2012 5 e variam de acordo com a espécie envolvida. Na situação descrita, a utilização de arma de fogo é um método físico aceito pelo Concea sob restrição para a eutanásia de equinos e ruminantes, por ser rápido, prático e causar menos estresse em relação a outros procedimentos 6.

Para utilização da arma de fogo como método de eutanásia, deve-se escolher um calibre compatível com a espécie animal envolvida. A pressão provocada pela alta velocidade de colisão e penetração do projétil no crânio do animal leva à perda de consciência instantânea, devido ao trauma cranioencefálico gerado e à consequente depressão do sistema nervoso central 7.

Diante do exposto, esse cenário de alto risco e difícil acesso para os socorristas induziu os responsáveis pelo resgate dos animais a adotarem a eutanásia por disparo de arma de fogo, executada por profissional competente. Esse posicionamento da equipe é respaldado nas legislações e amplamente aceito no âmbito médico-veterinário nessas condições. Sendo assim, a atuação da equipe para com os animais é considerada ética.

 

Referências

1-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Nota de apoio à atuação dos médicos-veterinários em Brumadinho, MG. CFMV, 2019. Disponível em: <http://portal.cfmv.gov.br/noticia/index/id/5985/secao/6>. Acesso em 11 de abril de 2019.

2-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Guia brasileiro de boas práticas para a eutanásia em animais: conceitos e procedimentos recomendados. 1. ed. Brasília: CFMV, 2013. 62 p.

3-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução nº 1236, de 26 de outubro de 2018. Define e caracteriza crueldade, abuso e maus-tratos contra animais vertebrados, dispõe sobre a conduta de médicos veterinários e zootecnistas e dá outras providências. CFMV, 2018.

4-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução nº 1138, de 16 de dezembro de 2016. Aprova o código de ética do médico veterinário. CFMV, 2016.

5-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução nº 1000, de 11 de maio de 2012. Dispõe sobre procedimentos e métodos de eutanásia em animais e dá outras providências. CFMV, 2012.

6-CONSELHO NACIONAL DE CONTROLE DE EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL. Resolução Normativa nº 13, de 20.09.2013. Diretrizes da prática de eutanásia do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA. 2013.

7-AMERICAN VETERINARY MEDICAL ASSOCIATION. AVMA guidelines for the euthanasia of animals: 2013 edition. Schaumburg: AVMA, 2013. 102 p.