Introdução
A identificação de cães e gatos é de grande importância para os tutores de animais de companhia, tendo também grande relevância para o município e a sociedade. Apesar de o registro e a identificação dos animais de companhia nos grandes centros urbanos estarem usualmente relacionados a casos de fugas, roubos e abandonos, podem servir também de subsídio para ações de saúde pública e saúde animal do município. Os dados obtidos podem auxiliar em programas de manejo populacional de cães e gatos, ações de promoção de saúde animal e humana e trabalhos de prevenção do meio ambiente, integrando esforços no âmbito da Saúde Única.
A identificação e o registro dos animais de companhia no município auxiliam a dimensionar e monitorar a população de cães e gatos e suas necessidades, além de proporcionar dados sobre o tutor, servindo de instrumento de responsabilização ao integrar uma ação importante de guarda responsável para o município 1. Na identificação animal, relaciona-se um código a cada animal de forma individual; o registro consiste em armazenar de forma oficial os dados referentes aos animais e seus tutores 2. Um sistema de informação integrado que possibilita dimensionar as populações de cães e gatos e responsabilizar os tutores pelos animais diminui o número de animais perdidos e abandonados, pois fornece dados sobre as características dos tutores e de seus animais e sobre as demandas da população, além de contribuir para o desenvolvimento e o planejamento das políticas de saúde pública 2-4.
Grande parte dos municípios brasileiros enfrentam problemas relacionados à população de animais de companhia, sua identificação e controle, como o abandono animal, a população de animais não domiciliados nas ruas, a superpopulação de animais em abrigos municipais, as inúmeras denúncias de maus-tratos, a criação e comercialização irregulares, o grande número de crias indesejadas e as mordeduras e demais agravos associados 2,4. A identificação e o registro de animais são dispostos na Portaria do Ministério da Saúde nº 1.172, de 15 de junho de 2004, como atividade na área da vigilância em saúde, de competência do município 5.
Por que identificar e registrar os cães e os gatos?
A identificação e o registro formam um sistema que relaciona e vincula os animais a seus tutores ou responsáveis. Esse sistema tem que ocorrer de forma composta e integrada, associando a identificação do animal, que deve ter código único, ao cadastro do responsável 2,4.
Há diversos pontos que demonstram a importância dessa ação, seja pelo conhecimento da população e dos animais pelos dados obtidos no registro, seja pela facilidade da devolução de animais perdidos; além disso, também garante que a responsabilidade pelo comportamento de um animal possa ser corretamente atribuída, e diminui o abandono de cães e gatos, assim como o número de eutanásias. A identificação visível desestimula a crueldade, o roubo e a fraude, ajudando a proteger os animais e diminuindo os custos com o manejo populacional de cães e gatos, além de ser um componente fundamental nas campanhas de castração 1,2. A identificação e o registro também ajudam a criar um vínculo entre o animal e o tutor, incentivando a guarda responsável 6.
As ações que visam a identificação e o registro de cães e gatos nos municípios devem ser compatíveis com o orçamento destinado a esse propósito, a fim de que seja possível cobrir os custos com a compra dos materiais, sua aplicação e monitoramento, além dos custos administrativos. A isenção de taxas nos procedimentos de registro de identificação ajuda na aceitação e implantação das ações por parte da população e desestimula o abandono animal. Quando essas ações ocorrem em campanhas de controle populacional de animais domésticos, também podem estimular o controle reprodutivo das populações de cães e gatos 6.
Métodos de identificação de cães e gatos
Durante décadas, os animais de companhia eram apenas identificados com plaquetas fixadas às coleiras contendo o nome e o telefone de contato do responsável. Hoje, em outros setores, como na pecuária, utilizam-se sistemas mais integrados e inovadores para controle e identificação dos rebanhos como estratégia de defesa sanitária e acompanhamento da produtividade dessas criações . Atualmente, há uma grande variedade de formas de identificação de cães e gatos que vêm sendo estimuladas pelo mercado pet em ascensão e utilizadas pelas prefeituras de alguns municípios.
Os métodos de identificação dos animais de companhia podem ser divididos em permanentes, semipermanentes ou temporários. Os métodos permanentes são projetados para durar toda a vida do animal; já os semipermanentes têm duração de meses ou anos, e os temporários, de algumas semanas 6,8. As identificações permanentes estão associadas a registros em um banco de dados e fornecem maior segurança contra perda ou falsificação, portanto, são mais confiáveis, ao passo que os métodos semipermanentes geralmente são mais baratos, mais visíveis e de aplicação mais fácil, mas oferecem menor segurança 6. A combinação de métodos de identificação pode ser uma estratégia de maior abrangência e eficácia para o controle da população animal em grandes centros urbanos 2,9.
As identificações permanentes mais utilizadas são a tatuagem, o microchip, o corte ou furo de ponta de orelha e a marcação a frio; as identificações semipermanentes podem ser as plaquetas e colares de identificação; e as temporárias são feitas com tintas e radiotransmissores 6,8.
A identificação realizada pela tatuagem é permanente, relatada como segura e não necessita de equipamentos (Figura 1). Requer sedação e imobilização do pet, e normalmente é realizada nas orelhas ou na face interna da coxa, sendo amplamente utilizada em campanhas de castração de cães e gatos, que são identificados com um código alfanumérico. Essa identificação é de difícil localização, não é facilmente visível e com o tempo pode tornar-se ilegível; por isso, recomenda-se a combinação de outros métodos para o reconhecimento à distância do animal 6,10.
O microchip é um método moderno de identificação animal; sua aplicação não necessita de anestesia geral ou local, a leitura é exata e permanente, e sua aplicação pode ser realizada em filhotes e adultos. Em alguns casos pode ocorrer falha na resposta do microchip ao scanner e migração do microchip do local inicial de aplicação. Outro ponto referente à microchipagem é a necessidade da proximidade ao animal, uma vez que a identificação não é visível e precisa de equipamento para leitura, além de ocorrer incompatibilidade entre scanners e chip. A aplicação desse método, feita com agulhas e aplicadores específicos estéreis e de uso individual, é realizada na região dorsocaudal do pescoço, entre as escápulas do animal, por via subcutânea 11-13.
Outro método de identificação, amplamente utilizado para identificar gatos ferais submetidos à castração e a posterior soltura, consiste no corte da ponta da orelha ou em furos. Esse procedimento de baixo custo é permanente e necessita de sedação 14,15.
A marcação a frio também pode ser usada como método de identificação permanente. Necessita de tempo certo e pressão correta na aplicação. Aparece em branco, e é bastante visível em animais de pelos mais curtos. Trata-se de um procedimento doloroso, que necessita de contenção adequada do animal, sedação e correta aplicação. A marcação não é visível imediatamente e pode levar algumas semanas a aparecer 6,8.
Plaquetas e coleiras são formas semipermanentes de identificação. A plaqueta de identificação deve ser de material resistente, preferencialmente de metal, leve e de longa duração, permitindo a gravação de informações. Deve ser fixada na coleira e conter informações importantes, como o número de identificação indicado pelo município, o telefone do órgão público ou da instituição responsável por ela e o contato do tutor. As plaquetas são de baixo custo e têm boa visibilidade, mas não constituem um método permanente e podem ser removidas acidentalmente ou perdidas. As coleiras também devem ser resistentes, impermeáveis, permitindo a lavagem, e de material extensivo para gatos, de modo a impedir o enforcamento do animal. As plaquetas e coleiras perdidas ou extraviadas devem ser restituídas. A recomendação do uso de plaquetas e coleiras é que sejam associadas a um método de identificação permanente, como, por exemplo, o microchip 8,16,17.
Alguns dos métodos temporários para identificação usam tintas marcadoras em spray ou bastão e também radiotransmissor, principalmente no monitoramento de animais silvestres. Além desses métodos de identificação animal, há outros, como os brincos, que são fáceis de aplicar e têm boa visibilidade, mas são incômodos para os animais e não são permanentes, podendo inclusive ser removidos acidentalmente 6,8,9.
Antes da escolha de que método de identificação utilizar, devem-se considerar alguns pontos importantes, como a durabilidade do método de identificação, a facilidade da aplicação e a necessidade de anestesia ou sedação. Deve-se optar ainda por métodos de rápida aplicação e baixo custo associado, que não interfiram no comportamento do animal nem prejudiquem o seu bem-estar, pois não devem causar dor ou incômodo, devem ser compatíveis com o tamanho do animal, ser visíveis e estar de acordo com a legislação local (Figura 2). Outro ponto importante na escolha do método de identificação se refere aos animais que serão identificados, sejam domiciliados, semidomiciliados, comunitários, errantes ou ferais. Para animais que não tenham um tutor ou que sejam errantes ou ferais, deve-se utilizar um método humanitário que não proporcione estresse nem dor, fácil de colocar em grande escala e cuja aplicação não requeira anestesia geral, anti-inflamatório ou antibiótico, devido à dificuldade de acesso a esses animais e a suas condições de vida 6,8.
Método de identificação | Vantagem | Desvantagem |
Tatuagem | Segura e permanente. Não precisa de equipamento para leitura. Custo baixo. |
Pode desaparecer e ficar ilegível. Pode ser difícil de localizar em animais de pêlo longo. É necessário sedar e imobilizar o animal. Requer equipamento específico e um operador qualificado |
Microchip | É uma identificação permanente e inequívoca. Garante um código único e inalterável. Baixo desconforto e dor quando aplicado corretamente. |
O custo com a tecnologia pode ser oneroso. A identificação só é possível com scanner adequado. Não há identificação visível. |
Corte ou furo de ponta de orelha | A identificação visual é imediata. Ficam visíveis à distância, evitando recaptura de animais ferais. O entalhe cirúrgico é rápido e de fácil execução. |
Têm que ser aceitos como método de identificação na legislação local ou nacional. Necessitam de anestesia e de ser realizados por um médico-veterinário. A identificação pode não ficar visível, cicatrizar ou se assemelhar a ferida de mordida. |
Figura 2 – Vantagens e desvantagens dos métodos de identificação permanentes e semipermanentes de cães e gatos
No município de Curitiba, a Rede de Defesa e Proteção Animal (RDPA), divisão do Departamento de Pesquisa e Conservação da Fauna (DPCF), órgão vinculado à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, disponibiliza a identificação e o registro para munícipes de forma gratuita por meio da microchipagem em cães e gatos (Figura 3).
A microchipagem ocorre durante os eventos organizados pelo órgão municipal, como em feiras de adoção mensais, campanhas de conscientização da guarda responsável, ações clínicas nas diversas regionais do município e no Programa de Controle Populacional de Cães e Gatos (PCPCG), além de eventos ou feiras de serviços organizados por outros setores em parceria com a RDPA. A agenda de eventos é disponibilizada no site da RDPA (www.protecaoanimal.curitiba.pr.gov.br) e por meio dos meios de comunicação do município. Os tutores interessados em microchipar os animais devem realizar um cadastro prévio no site da RDPA e, na hora da microchipagem, portar documentos de identificação (CPF e RG), comprovante de residência e a ficha cadastral preenchida. A equipe técnica da RDPA confere os dados e a vinculação do tutor ao animal, e posteriormente esses registros são inseridos no Sistema de Identificação Animal (SIA) do município. Esses dados ficam disponibilizados para o monitoramento e a responsabilização dos tutores.
Na base de dados da RDPA do município constam todos os animais cadastrados e microchipados. No município, todos os animais que participam do PCPCG são microchipados após a esterilização cirúrgica. Além disso, todos os animais que são resgatados e encaminhados ao Centro de Referência para Animais em Risco (Crar) de Curitiba após serem castrados, vacinados e vermifugados são também microchipados e registrados. A identificação do microchip consta no termo de adoção do animal e é fornecida ao tutor no momento da adoção.
Além disso, os cães comunitários que residem nos terminais de ônibus do município recebem atendimento veterinário, são castrados, vacinados e monitorados pela equipe da RDPA, em conjunto com os mantenedores. Esses cães também são identificados com microchip e recebem uma coleira verde de identificação (Figura 4). As ações desse projeto visam facilitar a adoção comunitária desses animais.
Finalmente, a identificação definitiva por microchip deve ser feita em todos os cães, principalmente porque poucas raças têm diferenças de pelagem, como beagle, basset hound e dálmata. Em um caso de apreensão de vários cães de raça de um canil ilegal de Curitiba, incluindo um casal de dálmatas, um telespectador disse ter reconhecido seu animal roubado nas imagens da reportagem na televisão, mas uma foto de seu dálmata mostrou clara diferença na pelagem (Figura 5). Em várias raças, a pouca variação de cores pode dificultar ou mesmo impedir o reconhecimento definitivo – caso do golden retriever, que tem apenas as pelagens creme, dourado-escura, dourado-clara e dourada.
Considerações finais
As práticas de identificação e registro são fundamentais no efetivo sucesso do controle da população de cães e gatos de um município, tornando-se um passo inicial para instaurar licenças para a aquisição e manutenção dos animais de companhia. Além disso, os dados adquiridos durante esse processo geram informações importantes para as pesquisas populacionais dos animais e as demandas a serem trabalhadas, e auxiliam na monitorização e na avaliação das ações empregadas no município. O registro e a identificação são um grande passo do município nas ações que visam não apenas o bem-estar animal, mas a responsabilização pela guarda inadequada e a identificação legal no caso de animais perdidos ou roubados.
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