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Aumento de adoção de animais na pandemia

Cães e gatos do Centro de Referência para Animais em Risco de Curitiba, PR, têm sido mais adotados durante a pandemia de Covid-19

Feira de adoção de 2019 no Parque Barigui, em Curitiba, PR. Créditos: Jéssica Pinheiro Feliciano do Nascimento Feira de adoção de 2019 no Parque Barigui, em Curitiba, PR. Créditos: Jéssica Pinheiro Feliciano do Nascimento

Introdução

O animal está inserido em todas as culturas, sendo o convívio dos seres humanos com cães e gatos talvez uma das últimas ligações com o passado, quando houve migração populacional do campo para a cidade 1. Essa necessidade de tê-los próximos foi provocada provavelmente pelo aumento da expectativa de vida e por novos arranjos familiares, em que algumas pessoas optam por morar sozinhas e/ou adiam os planos de ter filhos 2. Conviver com animais pode gerar vários benefícios para o ser humano. Dentre as diversas vantagens que a convivência com um animal de estimação pode gerar, podemos citar o companheirismo, o autoconhecimento e mudanças positivas no comportamento das pessoas, além de estimular o progresso de várias habilidades e o exercício da responsabilidade. Os animais também podem ajudar a reduzir o estresse e a combater a depressão e o isolamento, além de estimular a prática de exercícios físicos 3.

Como uma das medidas de prevenção para a pandemia causada pelo novo coronavírus é o isolamento social, a vida de muitas pessoas foi alterada, fazendo com que muitas delas sentissem solidão. Vinculado a esse contexto, observou-se em diversos países que no período de quarentena tem havido um expressivo aumento na busca por animais de companhia. Em Montenegro, por exemplo, esse número quase triplicou quando comparado ao mesmo período do ano passado 4.

 

Vínculo com os animais de estimação

Os animais de estimação representam a parcela mais significativa de espécies que interagem com os seres humanos 5. O animal de estimação preferido das pessoas varia em cada país. Cães e gatos geralmente são os mais escolhidos, seguidos por outras espécies: pássaros, peixes, roedores, coelhos, equinos, suínos e répteis, entre outros 6,7. 

Desde o Período Neolítico, a relação de proximidade entre cães e seres humanos existe, e atualmente, em decorrência da redução de integrantes nos núcleos familiares, a busca de afetividade vem sendo preenchida pelos animais de estimação 8.  Em contrapartida, grande parte das cidades brasileiras estão enfrentando problemas relacionados à proliferação de animais não domiciliados 5.

Quando o ser humano desenvolveu a habilidade de utilizar utensílios e ferramentas, consequentemente iniciou-se o processo de domesticação; dessa forma, o homem adquiriu o dever de responsabilidade para com o bem-estar animal 9. O processo de domesticação foi longo e complexo, em um cenário de evoluções mútuas que influenciaram os seres humanos e os animais 10. Essa relação carece de ações conscientes com o objetivo de manter o equilíbrio biológico e socioambiental 11.

Dentre os animais, o cão foi o primeiro a ser domesticado. O vínculo entre homem e animal foi se estreitando com um longo trabalho de adestramento, companheirismo e convívio, modificando gradualmente o comportamento habitual dos animais 12. Essa ligação requer dos tutores uma responsabilidade especial para com seus animais de estimação (guarda responsável) 13.

 

“Superpopulação” de cães e gatos?

Não existe na prática uma “superpopulação” de cães e gatos, mesmo porque é o ser humano que determina, direta ou indiretamente, o aumento dessa população, tanto de animais de companhia domiciliados como de não domiciliados. Levando em consideração a saúde coletiva, o bem-estar animal e a ordem urbana, o manejo populacional se faz necessário quando não há adequada educação em guarda responsável, resultando em animais de companhia sem supervisão e/ou abandonados. O elevado número de cães e gatos soltos nas ruas pode provocar acidentes de trânsito, destruição dos patrimônios, maus-tratos, zoonoses e acidentes por mordedura 8. Os animais também sofrem com essas condições, pois ficam sujeitos a acidentes de trânsito, fome, frio, abusos e maus-tratos.

A falta de conhecimento e responsabilidade da população, associada à omissão do poder público, à verticalização das cidades e à falta de investimentos em proteção animal, impulsiona a reprodução e o consequente aumento do número de animais abandonados nas ruas. O manejo populacional de cães e gatos pode ser dificultado quando não há estratégias de controle do período gestacional e do cio de cadelas e gatas, agravando-se com a falta de guarda responsável e de políticas públicas adequadas 14.

Foi somente na década de 1990 que o aumento populacional de cães e gatos, assim como o seu abandono, começaram a ser reconhecidos como um problema de saúde pública pelas autoridades, em grande parte pela ineficiência histórica da carrocinha no recolhimento e na eutanásia dos animais. O manejo populacional até então era baseado em duas políticas distintas, caracterizadas por captura e extermínio e por prevenção do abandono. Ao longo dos anos, constatou-se que a segunda política  se revelou mais eficiente e humanitária 15.

O emprego da política de captura e extermínio foi uma primeira abordagem utilizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Esse método se baseava na apreensão de cães de rua pelas carrocinhas e, quando não requeridos em curto prazo, no abate ou na eutanásia dos animais nos Centros de Controle de Zoonoses, como estratégia de combate a diversas zoonoses, particularmente no combate à raiva canina. Essa prática foi sendo abandonada por seus próprios defeitos e limitações, caindo em desuso em diversos países, inclusive pela crueldade e pelos resultados insatisfatórios 15. Foi a partir das críticas dessa política que surgiu a segunda fase (prevenção ao abandono), com o objetivo de controlar as zoonoses e a superpopulação de cães e gatos abandonados nas ruas, visto que procura atuar na origem do problema 15.

Desde então, a OMS tem emitido relatórios declarando a ineficiência do método baseado na captura e no extermínio para o controle populacional de cães 16. Os métodos mais humanitários e eficazes envolvem esterilização cirúrgica, educação pública para guarda responsável e aplicação de legislação pertinente 17.

 

Abandono de animais

Por conta das alterações nos hábitos sociais e culturais, a população tem cada vez mais criado laços afetivos com os animais de companhia, atualmente considerados membros não humanos da família – vínculo que pode ser denominado “guarda responsável” 13. Infelizmente, a presença de animais em situação de rua tem relação direta com o aumento da aquisição por impulso e o posterior abandono desses animais, causando problemas como zoonoses, acidentes por mordeduras e maus-tratos e tornando-se portanto um problema de saúde pública 18.

Para reduzir e solucionar esses problemas, é necessário o envolvimento de todos os cidadãos e é imprescindível a promulgação de leis mais específicas, visando a conscientização, a educação em guarda responsável, o bem-estar animal e o controle e a prevenção de zoonoses 19. A falta de instruções e de conhecimento dos tutores sobre o comportamento natural dos animais e os cuidados que requerem é um dos motivos de abandono e de maus-tratos 19.

Atualmente, o conjunto de fatores para que o cidadão abandone seu cão e/ou gato nas ruas envolve a falta de educação sobre guarda responsável e higiene, ninhadas numerosas e a inexistência ou insuficiência de leis ou fiscalização, causando riscos para a saúde pública e desequilíbrio ambiental 9.

A OMS tem orientado o emprego de várias ações preventivas pelos gestores públicos para prevenir o abandono e o aumento de cães e gatos nas ruas, tais como as castrações, as vacinas, o incentivo à educação ambiental e à guarda responsável, a implementação de uma legislação específica e o controle do comércio de animais, sua identificação e registro (microchips) 9. O ato de abandonar um animal nas ruas representa um dos exemplos mais comuns de maus-tratos. Ainda não há números oficiais relativos ao número de animais abandonados, mas estima-se que no Brasil sejam cerca de 30 milhões 20.

 

Aumento da adoção de cães e gatos em meio à pandemia

A Covid-19, nome dado pela OMS para a doença respiratória causada pelo novo coronavírus, foi caracterizada como uma pandemia em 11 de março de 2020. O epicentro foi detectado inicialmente em Wuhan, na China, e sua transmissão ocorre principalmente de pessoa a pessoa 21. Como uma das principais medidas de prevenção tem sido o distanciamento social, algumas pessoas sentiram-se solitárias nesse período, buscando alternativas para enfrentar o isolamento prolongado.

Com as medidas de distanciamento social empregadas em vários estados durante a pandemia, ficou evidente para ONGs e protetores de animais o aumento de aproximadamente 50% na adoção de cães e gatos 22. Esse é um cenário positivo para os animais que esperam um lar, assim como para as pessoas, mas deve ser visto com ressalvas, uma vez que o motivo da adoção não pode ser apenas suprir um momento difícil. Afinal, esse novo integrante deve ser considerado também após a quarentena 22.

Independentemente disso, o momento atual tem sido bom para as adoções, pois as pessoas têm mais tempo livre, contexto que ajuda na adaptação do novo cão ou gato ao ambiente familiar. Segundo alguns protetores, adotar um animal durante o enfrentamento da pandemia tem sido uma prática de solidariedade e de criação de novos laços afetivos, que no entanto deve ser consciente, para evitar abandonos pós-quarentena. O trabalho remoto como alternativa para muitas empresas também possibilita o lar temporário para esses animais até que encontrem um lar definitivo 22.

O Centro de Referência para Animais em Risco (Crar), vinculado à Rede de Proteção Animal (RPA), situa-se em Curitiba, PR. Na cidade ainda não existe nenhuma pesquisa para estimar o tamanho da população de cães e gatos domiciliados e em situação de rua.

Curitiba realiza a conscientização da população sobre guarda responsável, adoção e bem-estar animal usando como ferramentas sites informativos, folders, ações clínicas, reportagens em jornais e informações divulgadas em redes sociais. No período entre julho de 2017 e julho de 2019, aproximadamente 33,5 mil animais foram castrados pelo programa de controle populacional de cães e gatos gratuito do munícipio; o cadastro do animal junto àos órgãos responsáveis é realizado espontaneamente pelo tutor ou protetor 17.

Observou-se que durante a pandemia houve um aumento nas adoções de cães e gatos no Crar. Esses dados compararam os semestres de julho a dezembro de 2019 e de janeiro a junho de 2020. Escolheram-se esses dois períodos com o intuito de se obter resultados mais fidedignos, visto que implementou-se um serviço de resgate animal no segundo semestre de 2019, que gerou um maior número de animais admitidos no Centro de Referência.

No segundo semestre de 2019, o Crar recebeu 189 animais, sendo a maioria cães machos e sem raça definida. Nesse período foram adotados 43 animais, entre cães e gatos; os demais acabaram sendo devolvidos ao local do resgate após a recuperação, ou permanecem à espera de um adotante. Já no primeiro semestre de 2020 foram admitidos 181 animais, e durante esses meses foram adotados 114, sendo 35 apenas no mês de março. 

As figuras 1 e 2 representam uma comparação do número de adoções que ocorreram no Crar, ilustrando como a pandemia influenciou os dados, visto que no mês de março, quando se inicou a quarentena no município, se verificou o maior pico de animais adotados. Em relação à figura 1, referente ao último semestre de 2019, o maior número de cães e gatos adotados foi de outubro a dezembro, totalizando 28 animais; já agosto foi o mês com menos adoções.

 

Figura 1 – Número de cães e gatos adotados de julho a dezembro de 2019 no Centro de Referência para Animais em Situação de Risco (Crar) de Curitiba, PR

 

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Figura 2 – Número de cães e gatos adotados de janeiro a junho de 2020 no Centro de Referência para Animais em Situação de Risco (Crar) de Curitiba, PR

 

No primeiro semestre de 2020 foram admitidos menos animais no Crar, em comparação a 2019; no entanto, o número de adoções é expressivo, principalmente nos meses de março e maio. O programa do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) do município de Guarapari, ES, também constatou esse aumento, chegando a doar 10 cães em uma semana 23.

Para evitar devoluções ou abandono, é necessário observar individualmente o futuro proprietário e o animal escolhido, para saber que cão ou gato combinará mais com o estilo de vida e as expectativas do tutor. Os adotantes também devem ser orientados pelo médico-veterinário para entenderem o que significa o compromisso de assumir um animal e quais são suas necessidades comportamentais e de saúde 24.

 

Considerações finais

Adotar é um ato de solidariedade, humanitário e acima de tudo responsável. Mesmo com o aumento da adoção durante a quarentena, ainda há muitos animais em situação de rua, em ONGs ou em Centros de Adoção das prefeituras esperando por uma família.

A busca por animais de companhia cresceu significativamente durante a quarentena, principalmente no período inicial do isolamento, mas, devido às ressalvas relativas à guarda responsável, é imprescindível fazer uma entrevista rigorosa com os adotantes, a fim de se conhecer o perfil e o real motivo da adoção, evitando assim um possível abandono futuro.

O cenário de pandemia afeta negativamente vários setores da sociedade, porém, como demostraram os dados do Crar e de outras instituições, foi positivo para os animais que ganharam um lar. Apesar disso, é importante enfatizar que posse responsável não significa apenas dar comida e um teto, mas inclui todas as necessidades do cão ou gato, e também a rotina pós-quarentena.

Portanto, esse é o momento de valorizar a educação ambiental continuada e as orientações comportamentais, o respeito aos animais e a guarda responsável, fiscalizando os maus-tratos, a prevenção de zoonoses e o controle populacional.

 

Referências

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