A situação que enfrentamos hoje em nosso país, uma das mais graves de todo o planeta, nos dá também a oportunidade de refletir sobre como temos levado adiante a nossa cultura, sem questionar, e como estamos utilizando nosso tempo de vida e transmitindo nossos padrões e modelos às gerações futuras.
A postura generalizada e impositiva de valorização do fator individual sedimentou a noção de que alguns de nós têm mais direitos que outros, principalmente em função da nossa condição social e financeira.
A pandemia nos fez perceber melhor a interdependência das diversas formas de vida no planeta, bem como a interdependência dos seres humanos. Ricos e pobres se contaminam com o sars-cov-2, mas a proporção de pobres é bem maior, pois os de melhor condição socioeconômica, sejam países ou pessoas, têm melhor nutrição e resposta imune. Mas estamos todos próximos, convivendo, contaminados ou imunes, e a pandemia ressaltou que, apesar das diferenças, estamos todos juntos para o bem e para o mal neste mundo, e que é assim que conseguiremos preservá-lo ou destruí-lo.
A saúde coletiva começa pela saúde das famílias – e das famílias multiespécie – e pelo conhecimento dos princípios da saúde única, que engloba conceitos de medicina veterinária do coletivo, de medicina veterinária de desastres, de bem-estar animal e de medicina veterinária legal, entre outros.
No Brasil e no mundo, temos avançado em ampliar o conhecimento e a ação das organizações, das entidades, dos governos e, principalmente, dos profissionais que militam nessas áreas. Exemplo recente foi o reconhecimento pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) da especialidade de medicina veterinária do coletivo, que passa a contar com o Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo (IMVC) para a concessão do título de especialista. A realização da X Conferência Internacional de Medicina Veterinária do Coletivo, em plataforma online nos dias 21 e 22 de maio de 2021, em parceria entre o IMVC e a UFPR, celebrou os 10 anos de realização desse importante evento.
Neste número 153 da revista Clínica Veterinária – com o planeta mais voltado para a realidade da saúde coletiva e da imunidade coletiva –, decidimos lançar uma edição especial sobre medicina veterinária do coletivo, para auxiliar a reflexão e ampliar a participação individual, somando esforços para o bem de todos.
O Brasil vem tendo avanços e retrocessos nessas questões que demandam ainda maior atenção. Embora conseguindo melhorar a conscientização sobre a importância do bem-estar de animais de estimação, temos assistido impotentes à destruição de florestas, rios e mares em velocidade assustadora. É hora de unirmos esforços, todos nós, a população brasileira e ainda mais os profissionais da medicina veterinária, para ampliar os mecanismos de apoio e de educação de toda a população, da pré-escola à pós-graduação, para deter a rota de destruição que o planeta segue de maneira em muitos aspectos já irreversível.
A educação para a compaixão, a solidariedade, a colaboração e a compreensão do coletivo é fundamental para a sobrevivência e a boa qualidade de vida de todos e de cada um de nós. É urgente despertar a consciência para a importância desse trabalho de educação, para compreendermos nossa existência de modo menos individualista, resistindo às pressões que a sociedade exerce para nos manter afastados uns dos outros e para nos convencer de que não existe alternativa. Existe, sim, e os resultados dessa postura individualista, de inércia, mostram com clareza alarmante aonde ela nos leva. A ganância, a violência, a indiferença e o desrespeito ao próximo, junto com a desinformação intencional de que somos vítimas e que até certo ponto toleramos como sociedade e pessoalmente, nos levarão coletivamente ao extermínio e ao sofrimento. Isso já está acontecendo – e é gravíssimo.
Respeitar todas as formas de vida, de expressão e de amor, com compaixão, empatia, perdão e acolhimento é a única atitude que pode evitar o caos, cada vez mais próximo e evidente.